- Previsão Legal e Conduta Tipificada
O crime de estelionato está previsto no artigo 171 do Código Penal, que pune aquele que, “obtendo, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induz ou mantém alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.
Bem jurídico tutelado: o patrimônio da vítima, protegido contra atos de enganosidade praticados pelo autor.
Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, mais multa.
- Elementos Fundamentais
Para a configuração do estelionato, doutrinadores como Rogério Sanches Cunha destacam três elementos centrais:
Fraude: meio pelo qual o agente engana a vítima (por exemplo, artifício, ardil, ou mesmo omissão dolosa).
Vantagem ilícita: o infrator obtém um benefício que não lhe seria devido caso não houvesse a fraude.
Prejuízo alheio: a vítima sofre efetiva lesão patrimonial, equivalente ao ganho indevido do agente.
- Consumação e Tentativa
Consumação: ocorre quando o autor obtém a vantagem ilícita e o prejuízo é efetivamente causado à vítima. Por isso, é considerado um crime material ou de duplo resultado (vantagem para o agente e prejuízo para a vítima).
Tentativa: é cabível, pois se trata de crime plurissubsistente. Exemplo: a vítima é induzida em erro, mas o autor é impedido de receber a vantagem por fato alheio à sua vontade.
- Diferença Entre Furto Mediante Fraude e Estelionato
Furto mediante fraude: a fraude serve para reduzir ou anular a vigilância da vítima, que não percebe que está sendo desapossada do bem.
Estelionato: a vítima, induzida ou mantida em erro, entrega espontaneamente o bem ao agente, ainda que não saiba do engano.
- Pena e Possíveis Benefícios
A pena do estelionato (art. 171, caput, do CP) varia de 1 a 5 anos de reclusão, mais multa.
Transação penal: não é possível, pois a pena máxima ultrapassa 2 anos.
Suspensão condicional do processo (sursis processual): cabível, pois a pena mínima é de 1 ano (art. 89 da Lei 9.099/1995).
Acordo de Não Persecução Penal (ANPP): pode ser admitido caso cumpridos os requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal (pena mínima inferior a 4 anos).
- Condutas Equiparadas
O § 2º do art. 171 elenca hipóteses que são equiparadas ao estelionato, como, por exemplo:
Disposição de coisa alheia como própria (inciso I)
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria (inciso II)
Defraudação de penhor (inciso III)
Fraude na entrega de coisa (inciso IV)
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (inciso V)
Fraude no pagamento por meio de cheque (inciso VI)
- Estelionato Privilegiado
O § 1º do art. 171 permite a aplicação das disposições do furto privilegiado (art. 155, § 2º) se o criminoso for primário e o prejuízo for de pequeno valor. Nesse caso, a pena pode ser reduzida ou até substituída por multa.
- Estelionato Qualificado e Majorado
A Lei 14.155/2021 incluiu novas previsões no art. 171:
Fraude eletrônica (§ 2º-A): pena de 4 a 8 anos se houver uso de redes sociais, contatos telefônicos, e-mail fraudulento ou outro meio análogo para induzir a vítima em erro.
Majorante (§ 2º-B): se a fraude eletrônica for praticada com servidor fora do Brasil, há aumento de 1/3 a 2/3.
Estelionato contra idoso ou vulnerável (§ 4º): a pena aumenta de 1/3 até o dobro.
- Ação Penal
Desde a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a regra geral é a ação penal pública condicionada à representação da vítima (art. 171, § 5º).
Exceção: Administração Pública, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, ou maior de 70 anos de idade (esses casos ainda são de ação pública incondicionada).
O STF, em julgamento mais recente, tem entendido que a exigência de representação retroage até o trânsito em julgado, por se tratar de norma processual-penal ou de conteúdo híbrido.
- Conclusão
O crime de estelionato é uma infração que tutela o patrimônio e se caracteriza pelo uso de fraude para induzir a vítima a entregar bens ou valores de forma espontânea. A legislação brasileira prevê diversas formas típicas de estelionato, além de qualificadoras recentes relacionadas a fraudes eletrônicas.
Por ser um crime material, a consumação requer a vantagem indevida e o prejuízo à vítima. Ação penal, penas e benefícios processuais variam conforme as circunstâncias do caso, havendo até a exigência de representação da vítima em várias situações.
Diante da complexidade do tema e das constantes alterações legais, é recomendável buscar orientação jurídica especializada para avaliar casos concretos e garantir o pleno exercício do direito de defesa.